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Novo projeto de lei pretende corrigir a sucessão do cônjuge e do companheiro

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03/05/2013 por Inacio de Carvalho neto

 

 

O presente texto tem por objetivo noticiar a propositura, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº. 4.908/12, que pretende corrigir vários aspectos do Código Civil em matéria de sucessão do cônjuge e do companheiro. Trata-se de tema já amplamente debatido na doutrina, sendo consenso o entendimento de que o Código deixou a desejar nessa matéria, consagrando diversas injustiças.

O projeto foi proposto pelo Deputado Federal Hidekazu Takayama, servindo-se das conclusões da tese de doutoramento defendida pelo autor deste texto perante nobre banca na USP. Fica aqui registrado, desde já, um especial agradecimento ao Dr. Luciano de Almeida Gonçalves, assessor do nobre Deputado, pelo encaminhamento da proposta.

Análise do Projeto

Pretende o projeto alterar os seguintes artigos do CC/2002, a seguir transcritos e brevemente comentados:

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.

A ideia é suprimir a equivocada referência ao cônjuge na exigência de colação do adiantamento da legítima, retornando, assim, à redação do Código de 1916 sobre a matéria.

Art. 1.561. ..............

§ 3º. Os efeitos da putatividade se estendem à união estável, desde que preenchidos os requisitos do art. 1.723”.

O objetivo é igualar o companheiro ao cônjuge no tocante à putatividade. Sendo o casamento nulo, mas contraído de boa-fé por um ou ambos os cônjuges, produz ele seus efeitos para o(s) cônjuge(s) de boa-fé. A mesma regra deve ser aplicada também ao companheiro, que deve ter o direito de se beneficiar dos efeitos da união estável se contraiu uma união estável viciada, mas de boa-fé.

Art. 1.723. ....................

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521, não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada judicialmente”.

Pretende-se aqui retirar a separação de fato como autorizadora da constituição de união estável, o que, além de todos os inconvenientes já bastante conhecidos na doutrina, tem o condão de criar confusão em eventual concorrência de sucessão com cônjuge e companheiro.

Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 1.846.

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e o companheiro.

Art. 1.846. ...........

Parágrafo único. Deixando, porém, o falecido três ou mais filhos, ou quando concorrer à sucessão cônjuge ou companheiro e pelo menos dois filhos, a legítima se constituirá de setenta e cinco por cento da herança.

Art. 1.963-A. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação do cônjuge e do companheiro:

I – prática de ato que importe grave violação dos deveres do casamento ou da união estável, ou que determine a perda do poder familiar;

II – recusar-se, injustificadamente, a dar alimentos ao cônjuge ou companheiro ou aos filhos comuns;

III – desamparo do cônjuge ou companheiro ou descendente comum com deficiência mental ou grave enfermidade.

§ 1º. Configura perdão tácito, desautorizando a deserdação, o fato de o cônjuge continuar a conviver com o outro depois de ter conhecimento do ato que a permitiria.

§ 2º. A deserdação afasta o cônjuge ou o companheiro inclusive do direito real de habitação.

Inspirado no CC português, pretende-se incluir aqui a ideia de legítima variável quando houver vários herdeiros próximos.

Ademais, corrigindo injustiça criada pelo CC/2002, que acresceu o cônjuge como herdeiro necessário, mas deixou de fora o companheiro, pretende-se a alteração do art. 1.845 para igualá-los, acrescendo também o companheiro no rol dos herdeiros necessários.

Com o art. 1.963-A, pretende-se corrigir um defeito do CC/2002, que acresceu o cônjuge como herdeiro necessário, mas não previu as causas de sua deserdação.

Art. 1.797. ..........

I – ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão, não perdendo, contudo, este direito se essa convivência se tornou impossível sem culpa sua; ......

Art. 990 (do CPC). ......

I - o cônjuge sobrevivente ou o companheiro, qualquer que seja o regime de bens, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste, salvo se essa convivência se tornou impossível sem culpa dele.

Pretende-se incluir no art. 1.797 a ressalva que já havia sido incluída pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/62) no CC de 1916, permitindo que o cônjuge ou o companheiro permaneça como administrador da herança ainda que estivesse separado de fato do de cujus ao tempo de sua morte, se a separação não puder ser atribuída a ato culposo do sobrevivente.

Aproveita-se para alterar o art. 990 do CPC no mesmo sentido, incluindo neste também a referência ao companheiro, que foi esquecido pelo legislador de 1973. E ainda se exclui deste art. 990 a exigência de regime de comunhão para a inventariança, entendendo-se que o cônjuge e o companheiro devem ser inventariantes em qualquer dos regimes de bens.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro;

III - ao cônjuge ou companheiro;

IV - aos colaterais.

 

Este artigo, que consagra a chamada ordem de vocação hereditária, é fruto da principal alteração deste projeto, colocando o companheiro em igualdade de condições com o cônjuge na sucessão. Em consequência, revoga-se o art. 1.790, tão criticado na doutrina, com razão.

Aproveitou-se para também suprimir a tão criticada condição da concorrência com os descendentes ao regime de bens. De fato, a concorrência não deve depender do regime de bens da união, assim como a sucessão exclusiva do cônjuge (e mesmo do companheiro, desde a Lei nº. 8.971.94) nunca dependeu do regime de bens do casamento.

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente.

§ 1º. Para o companheiro, somente é reconhecido direito sucessório se, ao tempo da morte do outro, não haviam dissolvido judicialmente a união, consensual ou litigiosamente, e desde que a união fosse exclusiva, devendo ainda ser reconhecida a união estável por sentença judicial transitada em julgado.

§ 2º. Não terá direito à herança o cônjuge cujo casamento se deu in extremis, tendo o autor da herança falecido nos trinta dias seguintes ao casamento em decorrência da doença que tinha ao casar, salvo se o casamento se deu para regularizar uma situação de fato pré-existente.

§ 3º. Igualmente não terá o companheiro direito à herança se a união se iniciou quando o autor da herança já se encontrava gravemente enfermo, vindo a falecer dessa enfermidade nos trinta dias seguintes à constituição da união.

Neste artigo, pretende-se, em primeiro lugar, excluir a referência à separação de fato que o Código de 2002 incluiu como causa de exclusão do direito sucessório do cônjuge. No § 1º. se pretende incluir regra equivalente para o companheiro, guardadas as especificidades da união estável.

Seguindo modelo argentino, pretende-se inserir os §§ 2º. e 3º. ao art. 1.830, visando à exclusão da herança ao cônjuge ou ao companheiro, nos casos de casamento ou união in extremis, procurando com isto evitar que o casamento ou a união estável tenham outra finalidade que não seja apenas a formação da família.

Art. 1.831. Ao cônjuge ou ao companheiro será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, enquanto viver e não constituir nova união, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, e que pertença exclusivamente ao falecido, ou a este e ao cônjuge sobrevivente.

§ 1º. Mesmo havendo na herança mais de um imóvel, caberá o direito real de habitação se, pagas as dívidas, restar apenas um imóvel.

§ 2º. O direito do cônjuge sobrevivente se estende à posse dos bens móveis que guarnecem o imóvel, enquanto durar o direito real de habitação sobre ele.

Neste artigo cuida-se de estender o direito real de habitação ao companheiro, pondo fim à polêmica criada pelo CC/2002, que não tratou desse direito para o companheiro, gerando grande confusão na doutrina.

Aproveitou-se para restaurar um requisito para a conservação desse direito que já constava do Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/62), abandonado pelo CC/2002: o cônjuge ou o companheiro só farão jus ao direito real de habitação enquanto não constituir nova união.

Também se inseriu norma no sentido de permitir o gozo do direito real de habitação mesmo que haja mais de um imóvel na herança, se, depois de pagas as dívidas, restar apenas um imóvel. E ainda se pretende estender o direito aos bens móveis que guarnecem o imóvel, medida de lídima justiça.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge ou ao companheiro quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente de todos os herdeiros com que concorrer.

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou o companheiro. .........

Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge ou ao companheiro tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou ao companheiro.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge e companheiro, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.

A alteração destes artigos visa, em primeiro lugar, o tratamento conjunto da sucessão do cônjuge e do companheiro, nos termos do que já enunciado no art. 1.829.

Ademais, também se pretende deixar claro, no art. 1.832, que a reserva de 1/4 da herança só se aplica quando o sobrevivo for ascendente de todos os herdeiros com que concorrer, solucionando assim a questão que se coloca vivamente na doutrina da chamada filiação híbrida.

Conclusão

Espera-se, com a aprovação deste Projeto, que as graves injustiças criadas pelo CC/2002 no campo da sucessão do cônjuge e do companheiro sejam resolvidas, afastando-se os vários inconvenientes já amplamente discutidos na doutrina nesta questão e tornando a matéria mais simples para a aplicação prática e mais equânime para as pessoas envolvidas.

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